Mulheres de milho da Anjo tigrado  [Angelo tigrato] (1975)

Milhares de mulheres de milho
brotam do meu olho calado como espigas
fortes. No ar elas se endireitam

como folhudas criaturas carnosas
que ao vento se transmudam, de fêmeas,
em formosos penachos machos.

Acho graça na cruza; penso nisso
que é ser mulher a passo
de, sob a vertigem solar, virar confusa

hibridação. Abro-me. Brinco
de me dar. Rapto-me e opto-me
como se eu mesmo fosse me comer inteiro

enquanto as coisas simplesmente nascem.

*

Dame di mais 

Migliaia di dame di mais
spuntano dal mio occhio muto come spighe
forti. Nell’aria si raddrizzano

come frondose creature carnose
che al vento si trasformano da femmine
in formosi pennacchi maschi.

Mi piace il miscuglio
Mi è gradito l’incrocio; penso a questo
che è l’essere donna al punto
di, sotto alla vertigine solare, farsi confusa

ibridazione. Mi apro. Mi diverto
a darmi. Mi prendo e mi propendo
come se io stesso di me mi saziassi

mentre le cose semplicemente nascono.

*

Anjo tigrado da Anjo tigrado  [Angelo tigrato] (1975)

poeta fino de temperamento participante muito impressionável
um dia dei de cara com o mundo
o mundo de quando eu era
um muleque avuador:
caí no poço, de novo,
e vi cenas-avenidas com camas improvisadas num canto
aos trinta e poucos anos dei para cair em poços
com a mesma naturalidade com que eu chupava pitangas.

Vi dentes dantescos
no meu ombro aluado, já que então eu me via numa dança de caras,
e de cada lado meu tinha sobrado um retrato
todos meus todos lindos todos sufocantemente sozinhos:

num retrato eu catava
bocas; noutro um trem me despetalava; havia uma pose
— essa menos fútil —
que me surpreendia no ato de ser orgânico em público.

Mas um dia cismei
juntei todo e joguei fora:
fui pro mato
de onde só sairei como um tigre.

*

Angelo tigrato

poeta raffinato di temperamento partecipe molto impressionabile
un giorno mi sono trovato faccia a faccia con il mondo
il mondo di quando ero
un pischello volante:
sono caduto nel pozzo, di nuovo,
e ho visto scene-viali con letti improvvisati in un angolo 
a trent’anni e qualcosa ho iniziato a cadere nei pozzi
con la stessa naturalità con cui succhiavo le pitanghe.

Ho visto denti danteschi
sulla mia spalla lunatica, dato che allora mi vedevo in una danza di facce,
e a ogni mio lato era restato un ritratto
tutti miei tutti belli tutti soffocantemente soli:

in un ritratto raccoglievo
bocche; in un altro un treno mi toglieva i petali; c’era una posa
— questa meno futile —
che mi sorprendeva nell’atto di essere organico in pubblico.

Ma un giorno mi sono impuntato
ho preso tutto e l’ho buttato via:
sono andato nella foresta
da dove soltanto uscirò come una tigre.

*

Introdução à arte das montanhas da Argumentos invisíveis [Argomenti invisibili] (1995)

Um animal passeia nas montanhas.
Arranha a cara nos espinhos do mato, perde o fôlego
mas não desiste de chegar ao ponto mais alto.
De tanto andar fazendo esforço se torna
um organismo em movimento reagindo a passadas,
e só. Não sente fome nem saudade nem sede,
confia apenas nos instintos que o destino conduz.
Puxado sempre para cima, o animal é um ímã,
numa escala de formiga, que as montanhas atraem.
Conhece alguma liberdade, quando chega ao cume.
Sente-se disperso entre as nuvens,
acha que reconheceu seus limites. Mas não sabe,
ainda, que agora tem de aprender a descer.

*

Introduzione all’arte delle montagne

Un animale passeggia tra le montagne.
Si graffia la faccia sulle spine della foresta, perde il fiato
ma non rinuncia ad arrivare al punto più alto.
Da tanto camminare facendo sforzo diventa
un organismo in movimento che reagisce ai passi,
e basta. Non sente fame né nostalgia né sete,
si fida solo degli istinti che il destino conduce.
Tirato sempre verso l’alto, l’animale è un magnete,
su scala di formica, che le montagne attraggono.
Conosce qualche libertà, quando arriva alla cima.
Si sente disperso tra le nuvole,
pensa di aver riconosciuto i propri limiti. Ma non sa,
ancora, che adesso deve imparare a scendere.

*

Dia de dilúvio da Argumentos invisíveis [Argomenti invisibili] (1995)

Quando chove assim tão seguidamente na serra
e começa a pingar água na casa e a goteira
cresce e a pia entope e alaga o chão,
quando não cessa esse barulho insistente
de água penetrando em tudo e rolando,
sinto uma desproteção total violenta
e eu mesmo sendo dissolvido também
nessa casa alagada, não me acho
enquanto solidez: vou flutuando
como onda inconstante na correnteza.

*

Giorno di diluvio

Quando piove così ininterrottamente sulle montagne
e inizia a gocciolare acqua nella casa e il gocciolio
cresce e il lavandino si intasa e allaga il pavimento,
quando non cessa questo rumore insistente
dell’acqua che penetra in tutto e rotola,
sento una fragilità totale violenta,
e io stesso ugualmente mi dissolvo 
in questa casa allagata, non mi trovo
in quanto solidità: vado fluttuando
come l’onda incostante nella corrente.

*

O xerife e os guajajaras da Argumentos invisíveis [Argomenti invisibili] (1995)
(No interior do Maranhão)

Os homens do Romeu Tuma,
prepotentes e embalados,
foram dar uma batida
na tribo dos guajajaras.
Queriam localizar,
pra acabar de vez com ela,
a plantação de maconha
que, segundo haviam dito,
esses índios cultivavam
no sertão do Maranhão.
Lá na aldeia de Coquinhos
os homens bravos do Tuma
já chegaram dando tiros,
matando cachorros mansos
que apenas comiam pulgas.
Curumins apavorados
corriam que nem cutia
da polvorosa imprevista,
enquanto cunhãs e velhas,
aflitas, choravam sem
entender o que é que havia.
“De que se trata?”, diziam
na língua dos guajajaras:
“Que querer aqui fazer
os ruins caramurus?”
Os de fora, dos seus carros
barulhentos que nem tanques
numa ofensiva de guerra,
iam só mandando bala
por entre as choças tranquilas,
furando bambus e sacos,
vasilhames e bacias
com pontaria certeira.
Mas o espírito das matas
(cinco séculos de fúria
sob contínuos massacres)
de repente correu solto
no meio dos guajajaras.
Armando-se de cacetes,
o desespero do orgulho
e a valentia das onças,
os índios antes perplexos
com a louca invasão dos brutos
pularam dando pauladas,
de peito nu e aberto,
contra os tiros da polícia.
E deram tanto, mas tanto,
foram tantas cacetadas
de toda uma raça extinta,
era tão justa a refrega
dos caboclos de Tupã,
tão fraternos e preciosos
os golpes do contra-ataque,
que não houve jamais como
o pelotão resistir.
Seus carros antes possantes
ficaram despedaçados
e nenhum tira escapou:
todos levaram porrada.
Sem armas nem munições,
que os índios depois tomaram,
a polícia foi em cana
metendo o rabo entre as pernas.
Com o bando da lei detido
numa palhoça de varas,
mais pauladas foram dadas,
dessa vez como castigo,
por um ancião da tribo
e o cadáver do cachorro
(nosso irmão e nosso espelho)
assassinado por eles
a seguir foi esfregado
na cara de cada um.
De Brasília, o Romeu Tuma
com seus capangas mais fortes
foi lá conversar com os índios
para soltar os reféns.
Encontrou os guajajaras
preparados para a guerra
com suas caras pintadas.
Talvez não tivesse visto,
mas ventos elementares
faziam tremer a terra
por toda a Barra do Corda.
Sob o calor dos coqueiros,
cocares de antigas lutas
na glória da resistência
faziam gestos simbólicos.
Por trás de cada cunhã
com riscos na face triste,
foram hordas de fantasmas
tomados do amor da terra
que o Romeu Tuma encontrou.
Bom de papo, bem treinado
nas rodinhas dos palácios,
o xerife de Brasília
depois de muita conversa
conseguiu a liberdade
dos subalternos detidos.
Mas as armas dos seus homens
os guajajaras não deram.
E agora, depois de tanta
estripulia e arbítrio,
impõem uma condição
para entregá-las aos donos:
que os brancos também devolvam,
por estar em suas terras,
o povoado já famoso
e bem, enfim, guajajara
pelas ressonâncias do nome
que é São Pedro dos Cacetes.

*

Lo sceriffo e i guajajaras
(Nel sertão di Maranhão)

I bravi di Romeu Tuma,
prepotenti e caricati,
fecero un’imboscata
alla tribù guajajara.
Volevano individuare,
per distruggerlo per sempre,
il campo di marijuana 
che, stando a ciò che dicevano,
questi Indios coltivavano
nel sertão di Maranhão.
Al paese di Coquinhos
gli uomini bravi di Tuma
arrivarono sparando,
uccidendo cani docili
che di pulci si nutrivano.
Curumins terrorizzati
correvano come aguti
per lo scompiglio imprevisto,
e vecchie e cunhãs, afflitte,
piangevano e non capivano
cosa stesse succedendo.
“Che cos’è?”, si domandavano
nella lingua guajajara:
“Cosa volere qui fare
i cattivi caramurus?”
Dalle macchine chiassose
come carri armati in guerra
quelli fuori se ne stavano
già a lanciare le pallottole
tra le placide capanne, 
colpendo bambù e sacchi, 
vasellame e catini
con la loro mira esatta.
Lo spirito della selva
(cinque secoli di furia
sotto ai continui massacri)
subito si è scatenato
fra la tribù guajajara.
Armandosi di randelli,
l’afflizione dell’orgoglio
e il coraggio dei giaguari,
gli Indios prima perplessi
dal folle assalto dei bruti
saltano dando mazzate,
con il petto nudo e fiero,
alla polizia che spara.
E ne danno tante, ma tante,
sono tante le mazzate
di tutta una razza estinta,
così giusta era la mischia
dei caboclos di Tupã,
così fraterni e preziosi 
i colpi di contrattacco,
che non ci fu nessun modo
di far durare il plotone.
Quelle macchine possenti
ora sono fatte a pezzi
e nessuno sbirro scappa:
prendono un sacco di botte.
Senza armi né munizioni,
che gli Indios presto confiscano,
la polizia è tra le sbarre
con la coda fra le gambe.
Con il branco della legge
trattenuto fra le aste,
sono date altre mazzate,
questa volta per castigo,
da un anziano guajajara
e il cadavere del cane
(che è per noi specchio e fratello)
da questi fu assassinato
per poi esser strofinato
sulla faccia di ciascuno.
Da Brasilia Romeu Tuma
con i suoi scagnozzi aitanti
andò a parlare con gli Indios
per liberare gli ostaggi.
Lì trovò i guajajaras
preparati per la guerra
con le facce pitturate.
Forse non aveva visto,
ma dei venti elementari
già scuotevano la terra
in tutta Barra do Corda.
Sotto al caldo delle palme,
i copricapi gloriosi
dell’antica resistenza
fecero gesti simbolici.
Dietro a ciascuna cunhã
con righe sul volto triste,
furono orde di fantasmi
invaghiti della terra
che Romeu Tuma trovò.
Eloquente, allenato
nei salotti dei palazzi,
lo sceriffo di Brasilia
dopo molto chiacchierare
ottenne la libertà
dei subalterni acciuffati.
Ma le armi a quegli uomini
i guajajaras non resero.
E dopo tanto scompiglio
e decisioni arbitrarie,
ora impongono gli accordi
per ridarle ai proprietari:
che i bianchi restituiscano,
fissi nelle loro terre,
il villaggio già famoso
e alla fine guajajara
per le assonanze del nome
che è São Pedro dos Cacetes.